Leia artigo da sócia da Miceli Sociedade de Advogados Luciana Freitas, publicado na edição de outubro da revista Conceito Jurídico:
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de decidir, nos autos do RESP nº 1.582.475, que é possível a penhora de um percentual do salário e de outros proventos de um devedor, desde que seja preservada a sua dignidade e de sua família. Em outras palavras, pode ser penhorada parte do salário, se a retenção desse valor não prejudicar a subsistência do devedor.
Esse novo entendimento altera sensivelmente a interpretação vigente do art. 833, IV do Código de Processo Civil. Até essa decisão do STJ entendia-se pela total impenhorabilidade de verba salarial, à exceção na hipótese de pagamento de dívida alimentícia. O critério de razoabilidade do percentual a ser penhorado para garantia de subsistência ficará a cargo do juiz, o que poderá causar debates. O que é minimamente razoável? O que é suficiente para preservar a dignidade do devedor?
No caso julgado pelo STJ o devedor recebia um salário mensal de R$ 20 mil e foi autorizada a penhora de 30% da quantia. Nessa linha de raciocínio, é possível imaginar que a jurisprudência caminha para adotar um teto máximo de percentual de penhora de 30%, padrão atual das decisões que envolvem penhora de renda de pessoa jurídica.
Por outro lado, qual o valor mínimo de um salário que autorize sua penhora? A evolução da jurisprudência, a razoabilidade dos juízes e as circunstâncias do caso concreto mostrarão o caminho. Por hora, resta-nos a afirmação do relator, Ministro Benedito Gonçalves, de que quem merece proteção e maior efetividade do Poder Judiciário é o credor com seu título de crédito líquido, certo e exigível. Isso quebra por completo o protecionismo judicial em favor dos inadimplentes.
É certo que essa nova interpretação do STJ auxiliará os credores na recuperação de crédito, mas é também provável que esse tipo de penhora não alcance o pequeno devedor, que compõe a grande massa dos 63 milhões de inadimplentes que em junho de 2018 encontravam-se inscritos no SPC. Em todo caso, ainda que seja cedo para avaliar, pode-se imaginar que a decisão produza impactos no sistema financeiro. A diminuição do risco de recuperação pelos credores, em especial bancos e cartões de crédito, pode acarretar até mesmo a redução no valor do custo de captação de crédito para o consumidor, ou seja, das tão criticadas taxas de juros.