Leia artigo publicado no Estado de S.Paulo por Eduardo Luis Martha Antunes, advogado da área trabalhista da Miceli Sociedade de Advogados (clique aqui para ler no original).
A Lei nº 13.467/2017, que trouxe, substancialmente, a denominada reforma trabalhista, inseriu no texto normativo diversos assuntos que já contavam com previsão em Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em alguns casos, o legislador ordinário inseriu no bojo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o entendimento do TST. Temos como exemplo a Orientação Jurisprudencial nº 98 da Subseção II de Dissídios Individuais da Corte Trabalhista, absorvida pelo art. 790-B, § 3º do Consolidado, estatuindo a vedação à cobrança antecipada de honorários periciais.
Contudo, na maior parte dos casos, o efeito foi inverso: o Poder Legislativo derrubou ditames sacramentados pelo Tribunal Laboral. Como no caso do art. 468, § 2º da CLT, que se contrapôs à Súmula nº 372 do TST, retirando do empregado que exerce função de confiança por mais de 10 anos a incorporação do respectivo adicional ao salário.
Nessa confrontação ao direcionamento normativo do TST, uma das mudanças mais ousadas se assenta na literalidade do art. 8º, § 2º do Diploma Trabalhista. Segundo a imposição desse dispositivo, fica vedada a elaboração de enunciados de jurisprudência que criem direitos e deveres não previstos em lei.
Diante disso, surge a inexorável questão: teria o Poder Legislativo maculado a independência do Judiciário, afrontando o princípio da separação dos poderes, instituído no art. 2º da Constituição da República?
Como resposta, temos que o primeiro entrave é descobrir até onde a separação de Poderes consubstancia um valor em si mesmo, eis que o sistema de freios e contrapesos nos permite imaginar certa interferência de um Poder em outro.
À guisa de exemplo, lembramos da inovação perpetrada pela Emenda Constitucional nº 45/04, que enxertou o art. 103-A no Texto Constitucional, com regulamentação através da Lei nº 11.417/2006.
Nesse particular, pode o Supremo Tribunal Federal (STF), cumpridos certos requisitos, editar Verbete de observância obrigatória pelo Executivo e pelo Legislativo, salvo quando do exercício da função legiferante.
Sob esse prisma, natural é conceber que nenhum Poder se faz incólume aos demais, devendo tolerar recíproco controle constitucionalmente estabelecido.
Entretanto, o açodado art. 8º, § 2º do Compilado Trabalhista teria ido longe demais? Teria o legislador esvaziado por completo as Súmulas e Orientações Jurisprudenciais?
Para uma resposta mais segura, é importante ressaltar que, no âmbito do Código de Processo Civil, o art. 927, IV que, segundo a Instrução Normativa nº 39/2016, é aplicável ao Processo do Trabalho, com as devidas adaptações, nos ensina que “os juízes e os tribunais observarão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional”, levando a crer que as Súmulas de Tribunais Superiores possuem caráter cogente.
Estaríamos, portanto, diante de uma antinomia? De que forma poderíamos interpretar o proibitivo da Consolidação das Leis do Trabalho em harmonia com o impositivo do Código de Processo Civil?
Destarte, atentemos ao fato de que o direito comum é de uso subsidiário, não supletivo ao Direito do Trabalho (art. 8º, § 1º e art. 769, ambos da Consolidação). Isso corresponde a dizer que somente e tão somente nos casos de omissão (e compatibilidade) da legislação trabalhista é que nos socorreremos do direito comum, seja no âmbito material ou processual.
Não obstante o posicionamento firmado no Enunciado nº 2 da II Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), no sentido de declarar inconstitucional a limitação inaugurada pelo art. 8º, § 2º do Texto Consolidado, temos que o controle de constitucionalidade pela via difusa não possui o condão da afastar a imperatividade da lei, tampouco sua validade.
Como arremate a todo o exposto, temos que (1) o Poder Legislativo pode exercer controle sobre o Poder Judiciário, em homenagem ao princípio de freios e contrapesos; (2) na seara trabalhista, os Enunciados de jurisprudência se limitam a interpretar a lei, sem a inovação jurídica no campo dos direitos e deveres. Assim, se afasta a incidência do art. 927, IV do Código de Processo Civil, em desconsideração à Instrução Normativa nº 39/2016, a qual aponta em sentido contrário, sabendo-se que a constitucionalidade dessa norma infralegal é questionada no bojo da ADI 5516.
Certo é que a decorrência lógica da conclusão acima é, numa ideia simplista, relegar o TST a segundo plano, se comparado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), haja vista que os Enunciados deste são de observância obrigatória, enquanto os daquele não.
Conquanto o assunto não se esgote em parcas linhas, a bússola filosófico-jurídica haverá de ser cunhada ao longo dos enfrentamentos e dos debates que nascerão dos casos concretos.
*Eduardo Luis Martha Antunes, associado da Miceli Sociedade de Advogados