Luciana Freitas
Sócia da Miceli Sociedade de Advogados
O Provimento da Corregedoria de Justiça (CGJ) nº 20/2018, que dispensa a obrigatoriedade da apresentação de certidões que tenham como objeto distribuições de ações judiciais em nome do vendedor de imóvel, seja através de promessa de compra e venda, seja através de escritura definitiva, foi publicado no Diário Oficial em 09.07.18.
Assim, passa a ser facultativa a pesquisa de ações judiciais que envolvam o nome do vendedor, devendo constar na escritura que as partes por vontade própria abriram mão das mesmas. A mudança segue orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no pedido de providências nº 0001687-12.2018.2.00.0000, do Ministro João Noronha, no sentido de que não haveria legislação prevendo a obrigatoriedade dessa documentação.
Na prática, o Provimento 20/2018 significa que lavrar uma escritura de promessa de compra ou definitiva de compra e venda no Rio de Janeiro ficou mais barato, já que o custo das certidões que foram dispensadas gira, atualmente, em torno de R$ 800 por nome de vendedor (se um casal estiver vendendo, o custo é de R$ 1.600). Em um momento de mercado desaquecido e crise econômica, é uma razoável economia. Porém, será que realmente trará economia? Ou apenas criará uma considerável insegurança jurídica para o comprador e para credores do vendedor?
O comprador terá em mãos para analisar a viabilidade e a segurança do negócio apenas a certidão de ônus reais do imóvel, que atesta se o bem é realmente de quem está vendendo e se há alguma restrição pesando sobre ele; a certidão de débitos fiscais, para atestar se há dívida de IPTU ajuizada ou não; e a certidão de interdição e tutela do vendedor, que indica se o mesmo possui capacidade jurídica para celebrar o ato, não sendo falido ou interditado. A possibilidade da venda ser uma fraude a credores ou à execução pelo vendedor não poderá será completamente analisada.
A fraude contra credores está prevista nos arts. 158 a 165 do Código Civil. Há fraude contra credores quando, maliciosamente, o devedor insolvente se desfizer de um imóvel ou se a transação por si só o levar à insolvência. O devedor, no caso o vendedor do imóvel, usa a venda do bem para dilapidar seu patrimônio e não pagar sua dívida. Essa fraude é caracterizada por dois elementos: (i) objetivo, eventus damni, que é a compra e venda e seu nexo causal com a insolvência do devedor; e (ii) subjetivo, consilium fraudis, a intenção do vendedor em prejudicar os credores.
Já a fraude à execução é definida no art. 792 do Código de Processo Civil, que traz a previsão no inciso IV: “quando ao tempo da alienação ou da oneração tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”. Portanto, são dois os pressupostos: (i) qualquer tipo de ação em curso; e (ii) o estado de insolvência decorrente da venda do imóvel. A Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também diz que deverá haver o registro da penhora do bem alienado ou a prova da má-fé do adquirente.
A verificação da existência de credores e até certo ponto da própria solvência do vendedor do imóvel somente é possível pelas certidões pessoais em nome do vendedor. A dispensa dessas certidões faz com que o comprador fique vulnerável em eventual reclamação de terceiros tentando anular a venda do imóvel por fraude praticada pelo vendedor, já que não terá analisado se o vendedor possui ações contra si, execuções e dívidas. Portanto, será possível qualificar o comprador nessa situação como adquirente de boa-fé – o que lhe protegeria da anulação do negócio jurídico?
Por outro lado, os credores também terão maior dificuldade em demonstrar a má-fé do terceiro adquirente, já que não há mais a obrigatoriedade do comprador ser diligente e examinar o histórico processual-patrimonial do vendedor. Ficará muito mais difícil fazer a prova de que houve um conluio entre vendedor e comprador.
A jurisprudência deverá tratar dessa nova situação. Mas se o comprador aceitar a desoneração da obrigatoriedade das certidões, ficará em posição vulnerável, assim como eventuais credores do vendedor. Assim, haverá clara insegurança jurídica no negócio, o que permite concluir que o comprador assumirá o ônus de emitir as certidões para se resguardar que a transação é segura, passando a compra e venda de um imóvel a ficar mais cara para o comprador e mais barata para o vendedor.